Mineral Exploitation I

Mineral Exploitation

Mineral Exploitation
Mabe Bethonico

A visual study on practices of work in mining, from XVI Century through the work De Re Metallica, de Georgius Agricola, to our days in Brazilian mines of Minas Gerais through images produced by the Brazilian Ministry of Work and Employment.

prev media

Mineral Exploitation I

Text (French/ Portuguese) by Anselm Jappe on the history of mining industry and its agents to defend and protect workers: “Mining and the search for the unlimited”. 

Mineral Exploitation I
Artist/Author: Mabe Bethonico

Anselm Jappe: 

Mineração e a busca do ilimitado 

 

O capitalismo, mesmo antes da era industrial, já era minerário. O capitalismo não é uma produção de bens de consumo destinados a satisfazer nossa necessidade. Ele busca muito mais o valor, e este valor se representa, desde a antiguidade, por metais preciosos (ou às vezes, por pedras preciosas). A sede de ouro sempre o caracterizou. O objetivo da produção capitalista não é uma forma de riqueza concreta, mas o dinheiro: mais dinheiro possível. Uma quantidade maior da mesma coisa, que, como tal, não possui nenhuma utilidade para a vida humana. Esta é a razão pela qual a procura por ouro e prata foi um de seus principais motores ao longo dos séculos. Na Antiguidade, os únicos escravos que morriam de verdade por excesso de trabalho e exploração foram os infelizes que foram trabalhar nas minas, - é o que Karl Marx escreveu em O Capital. O cansaço de um escravo doméstico, que tem de garantir o bem estar de seu mestre, termina mais cedo ou mais tarde e a colheita na agricultura termina quando o último milho é colhido - mas se o escravo deve acumular ouro para seu patrão, não há limite de trabalho que lhe é imposto, pois não há limite de ouro que se pode acumular.

Foi a busca de ouro e prata que levou os europeus a conquistar e devastar as Américas. A importância das minas em 1600 foi tão grande que Potosi, cidade minerária a 4,000 metros de altura nos Andes, tinha nessa época o mesmo número de habitantes de Londres. Em nenhuma outra forma de exploração os nativos foram tão brutalmente sacrificados.

O capitalismo moderno substituiu os escravos por trabalhadores livres. Adam Smith demonstrou no início da “revolução industrial” que um trabalhador que fabricasse sozinho um alfinete de ponta a ponta, não produziria nem um único alfinete por dia. Mas numa pequena fábrica, mesmo com uma modesta divisão do trabalho, cada trabalhador produziria facilmente 5.000 por dia. A divisão do trabalho e a padronização do gesto foram cruciais para o desenvolvimento da grande indústria - até o taylorismo, “gestão científica do trabalho”, inventada no fim do século XIX pelo engenheiro Taylor, que mediu e calculou o menor movimento do trabalhador para aumentar sua produção. Cada gesto devia contribuir para o lucro a favor do empresário. Ela foi então, realizada em grande escala na fábrica de automóveis de Henry Ford.

Mas a mais de três séculos antes, De re metallica de Georgius Agricola (estranha ironia do nome), propôs uma primeira catalogação das ações necessárias para a mineração. Nas ilustrações, os gestos ainda não aparecem separados da unidade orgânica do corpo. Mas no século XVI a sociedade de trabalho começou sua ascensão. A mineração perdeu todo seu caráter mágico, e tornou-se definitivamente uma atividade racional buscando apenas o lucro. Isolando os gestos dos trabalhadores representados nas xilografias e os associando aos verbos designados nas atividades, como a artista Mabe Bethônico faz aqui - traz à luz a verdade por trás deste tratado: gestos tornam-se atos mecânicos. Vemos o homem se tornar apêndice de sua ferramenta de trabalho. Não é por acaso que a transformação da humanidade em máquina tenha se iniciado no campo da mineração. Este trabalho foi sempre o mais degradante, e seu propósito - o metal - estava atrelado à obscura pulsão do capitalismo de buscar uma expansão ilimitada até à destruição de tudo, dos trabalhadores, da natureza, das relações sociais, e ao final, do próprio capitalismo.

Karl Marx, que analisou melhor do que ninguém a dinâmica da modernidade capitalista, tanto quanto o papel que desempenha esse “metal maldito” (como já diziam os antigos gregos), também descreveu de modo extensivo os horrores das fábricas inglesas de seu tempo. Para descrever esse quadro, ele se baseou em grande parte em documentos extraordinários: os relatórios semestrais produzidos pelos inspetores de fábricas, nomeados pelo Estado inglês. Era difícil encontrar em qualquer outro lugar, de acordo com Marx, “homens tão competentes quanto imparciais e precisos do que os inspetores de fábricas em Londres”. Eles proveram as descrições das condições cruéis de trabalho dos trabalhadores ingleses, homens, mulheres e crianças confinados por até 16 horas por dia em fábricas tão infernais quanto as minas. Mas os membros do parlamento inglês, para os quais esses “Livros Azuis” (como foram chamados) eram distribuídos, ao invés de os lerem, “não fizeram mais do que os utilizarem como alvos contra os quais atiravam para medirem, através do número de páginas perfuradas, a força de impacto das armas. Outros, os venderam pelo peso do papel, e não poderiam ter feito melhor, por que isso permitiu a Marx comprá-los a preço baixo de um comerciante de papéis velhos” (Paul Lafargue). Marx os leu todos e neles se baseou para escrever algumas das mais inflamadas páginas do Capital.

Honestos fiscais de trabalho ainda existem hoje. A sociedade capitalista não é monolítica, hoje ou na Inglaterra descrita por Marx. Ela envia homens às minas, depois faz leis para os proteger, depois ela fecha os olhos para a violação dessa legislação, e para terminar, ela envia inspetores para a constatação das violações, mas sem que lhes permita fazer nada além de reunir a documentação que talvez servirá a mais alguém…

---------------------------

Anselm Jappe: 

L’exploitation minière et la recherche de l’illimité

 

Le capitalisme, bien avant d’être industriel, était déjà minier. Le capitalisme n’est pas une production de biens d’usages destinés à satisfaire des besoins. Il cherche plutôt la valeur , et cette valeur se représente, depuis l’antiquité, dans les métaux précieux (ou parfois dans les pierres précieuses). La soif de l’or l’a toujours caractérisé. Le but de la production capitaliste n’est pas une forme de richesse concrète, mais la monnaie : le plus de monnaie possible. Une quantité plus grande de la même chose qui, en tant que telle, ne possède aucune utilité pour la vie humaine. Voilà pourquoi la recherche de l’or et de l’argent a été un de ses moteurs principaux le long des siècles. Dans l’antiquité, les seuls esclaves qui mouraient vraiment par surtravail et excès d’exploitation étaient les malheureux qui devaient travailler dans les mines – c’est Karl Marx qui le dit dans Le Capital. La fatigue d’un esclave domestique qui doit assurer le bien-être personnel de son maître arrivera tôt ou tard à son terme, et la moisson en agriculture finira avec la dernière tige – mais si l’esclave doit accumuler de l’or pour son patron, il n’y a pas de limite au travail qu’on lui impose, parce qu’il n’y a pas de limite à l’or qu’on peut accumuler.

C’était la quête de l’or et de l’argent qui a poussé les européens à conquérir et dévaster les Amériques. Tant était grande l’importance des mines qu’en 1600, Potosi, la ville minière à 4000m de hauteur dans les Andes, avait autant d’habitants que Londres. Dans nulle autre forme d’exploitation les indigènes étaient sacrifiés si brutalement.

Le capitalisme moderne a remplacé les esclaves par des travailleurs libres. Adam Smith a démontré aux débuts de la « révolution industrielle » qu’un ouvrier qui fabrique tout seul, de bout en bout, des épingles, n’en produit peut-être pas une seule dans une journée entière, tandis que dans une petite usine, même avec une modeste division du travail, chaque ouvrier en produit aisément 5000 dans une journée. La division des tâches et la standardisation des gestes se sont avérées essentielles pour développer la grande industrie – jusqu’au taylorisme, l’«organisation scientifique du travail » inventée à la fin du XIX siècle par l’ingénieur Taylor, qui mesurait et calculait le moindre mouvement de l’ouvrier pour en augmenter le rendement. Chaque geste devait contribuer au profit de l’entrepreneur. Elle fut ensuite réalisée sur une grande échelle à l’usine d’automobiles d' Henry Ford.

Mais déjà plus que trois siècles plus tôt, De re metallica de Georgius Agricola (étrange ironie du nom) proposait un premier catalogage des actes nécessaires au travail dans les mines. Dans les illustrations, les gestes n’apparaissent pas encore détachés de l’unité organique du corps. Mais au XVI siècle, la société du travail commençait son essor. L’exploitation minière perdait tout caractère magique et devenait définitivement une activité rationnelle visant au seul profit. Isoler les gestes des travailleurs représentés dans les xylographies et les associer à des verbes désignant des activités – comme le fait ici l’artiste Mabe Bethônico - porte à la lumière la vérité cachée de ce traité : les gestes deviennent des actes machinaux. On y voit l’homme devenu l’appendice de son instrument de travail. Ce n’est pas un hasard si la transformation de l’homme en machine a commencé dans le domaine des mines. Ce travail a toujours été l’un des plus abrutissants, et son objet même – le métal - était lié à l’obscure pulsion capitaliste vers l’expansion illimitée, jusqu’à la destruction de tout : des travailleurs, de la nature, des relations sociales, et finalement du capitalisme même.

Karl Marx, qui mieux que tout autre a analysé la dynamique de la modernité capitaliste, ainsi que le rôle que le « maudit métal » (comme disaient déjà les grecs anciens) y joue, a également décrit longuement les horreurs des usines anglaises de son époque. Pour écrire ce tableau, il s’est basé en bonne partie sur des documents extraordinaires : les rapports semestriels établis par les inspecteurs d’usine, nommés par l’État anglais. On ne pouvait trouver nulle part ailleurs, selon Marx, des « hommes aussi compétents, aussi impartiaux et aussi nets que les inspecteurs de fabriques d'Angleterre ». Ils fournissaient des descriptions impitoyables des conditions de travail des ouvriers anglais, des hommes, femmes et enfants confinés jusqu’à seize heures par jours dans des usines aussi infernales qu’une mine. Mais les membres du Parlement anglais, à qui ces « livres bleus », comme on les appelait, étaient distribués, au lieu de les lire, « ne les utilisaient que comme des cibles sur lesquelles on tire pour mesurer, au nombre de pages que la balle traverse, la force de percussion de l'arme. D'autres les vendaient au poids, et ils n'auraient pu faire mieux, car cela permit à Marx de les acheter à bon marché, chez un marchand de vieux papiers » (Paul Lafargue). Marx les lisait tous et en tirait quelques-unes des pages les plus enflammées du Capital.

Des inspecteurs du travail honnêtes, il y en a même aujourd’hui. La société capitaliste n’est pas monolithique, aujourd’hui pas plus que dans l’Angleterre décrite par Marx. Elle envoie des hommes dans des mines, après elle fait des lois pour les protéger, puis elle ferme les yeux sur les violations de cette législation et pour finir elle envoie des inspecteurs pour constater ces violations, mais sans leur permettre de faire rien d’autre que rassembler une documentation qui peut-être servira à quelqu’un d’autre…

 

Texto de Anselm Jappe (07/2012) para a exposição Práticas Desmembradas

Tradução: Mabe Bethônico e Joerg Bader

next media